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A “reforma universitária” e as políticas de educação no segundo Governo Lula
A “reforma universitária” e as políticas de educação no segundo Governo Lula
Estamos entre aqueles que entendem que o acesso ao conhecimento e à formação intelectual é condição fundamental para o desenvolvimento social e a elevação do nível de consciência dos povos. A educação, assim, é um bem público, que não deve ser apropriado privadamente pelas classes dominantes e nem tampouco constituir-se em privilégio de uma minoria.
Defendemos, portanto, a educação como um direito universal, que deve ser garantido pelo Estado com recursos públicos, condição sine qua non para a manutenção de seu caráter laico, democrático e não discriminatório, bem como da liberdade e autonomia pedagógica e científica necessárias a seu exercício.
Consideramos que os sistemas de ensino, embora tenham sido em grande medida concebidos para reproduzir a ordem dominante, podem funcionar, dialeticamente, como uma ferramenta a serviço daqueles que trabalham pela construção de uma outra sociedade, livre de toda a opressão e exploração.
A escola, no entanto, só pode cumprir esse papel libertador se for capaz de atender às demandas e aos interesses da maioria da sociedade. Sem a manutenção desse caráter, o ensino converte-se em mero instrumento de reprodução das desigualdades sociais, da passividade política e da dominação econômica.
É a partir dessa concepção sobre a educação que deve ser compreendida a bandeira da Reforma Universitária, empunhada historicamente pela esquerda e pelos setores progressistas de modo geral. Sua defesa estava vinculada à necessidade de alterações profundas no modelo educacional implantado no Brasil, de modo a garantir a democratização e universalização do acesso ao ensino superior público, gratuito, laico e de qualidade, com a conversão das universidades em um instrumento de transformação social e de aumento do poder das classes populares.
O Partido dos Trabalhadores, desde sua fundação, esteve comprometido com essa luta, defendendo a idéia de que tal projeto de educação deveria ter como fundamento seu caráter público, e que, portanto, só seria possível levá-lo a efeito através do fortalecimento e da expansão dos estabelecimentos estatais de ensino superior.
No Brasil, desde a reforma tecnocrática realizada pela ditadura militar nas décadas de 1960 e 1970, que procurou adequar o sistema de ensino superior ao projeto de modernização conservadora, atendendo assim a alguns setores do capital - que necessitavam de determinado tipo de mão-de-obra qualificada - e buscando responder ao desejo de ascensão social dos setores médios, o país não voltou a rediscutir em profundidade seu modelo de ensino superior.
Nos anos 1980, a crise do projeto nacional-desenvolvimentista e a divisão das classes dominantes afetaram profundamente as universidades públicas, mas não conduziram à criação de um vigoroso sistema privado de ensino superior.
Nos anos 1990, contudo, o advento do neoliberalismo atingiu em cheio as universidades. Lembremos que a reestruturação produtiva do capital ensejada nesse momento visava superar a crise de acumulação que havia se iniciado na década de 1970. Um de seus pilares, pois, era a abertura de setores, historicamente de competência do Estado, à exploração direta do Capital. Isso ocorreu com as telecomunicações, com a energia, com a previdência e a saúde. E ocorreu, também, com a educação.
Apoiando-se, pois, no discurso de que a crise do Estado nacional-desenvolvimentista era fundamentalmente uma crise fiscal e de gigantismo estatal, os governos neoliberais passaram a investir de modo pesado no desmonte da estrutura educacional pública e na expansão do ensino privado. O governo Collor tentou iniciar e o governo FHC implementou, através das duas gestões de Paulo Renato à frente do MEC, uma série de transformações no ensino superior brasileiro. Todas elas guardaram um sentido comum: fortaleceram o ensino privado e enfraqueceram o ensino público.
A primeira eleição de Lula em 2002 representou, entre os setores sociais comprometidos com a luta pela universidade pública, um claro desejo por uma reversão nesse processo. O momento que se anunciava parecia propício para uma discussão de fôlego acerca dos rumos do ensino superior no país, que pudesse culminar com transformações profundas, no sentido do fortalecimento do caráter público da universidade brasileira, de sua democratização e da ampliação de sua capacidade de produzir conhecimento de forma autônoma.
Foi a partir da avaliação desse contexto e das possibilidades que ele abria que decidimos propor, como principal bandeira do movimento estudantil universitário para o período que se iniciava, a realização da "reforma universitária necessária" ao sistema educacional brasileiro. Este foi o debate central apresentado em nossa tese "Reconquistar a UNE" para o CONUNE 2003. E essa foi a pauta assumida pela UNE, que condensou uma proposta resgatando as bandeiras históricas do movimento, inspiradas na luta em favor do ensino público e contra a mercantilização da educação.
As primeiras iniciativas tomadas pelo governo no âmbito da educação superior, contudo, não apontaram no mesmo sentido das bandeiras históricas do movimento. Embora a idéia de uma “reforma universitária” tenha pautado desde o início as ações do governo, as propostas então elaboradas foram de certo modo contaminadas pela ortodoxia da política econômica adotada sobretudo nos primeiros anos daquele mandato, cuja busca quase obsessiva pela produção de crescentes superávits primários implicava um entrave para a expansão das universidades públicas e para um aumento do financiamento ao setor, em função dos poucos recursos destinados aos investimentos públicos.
Cabe lembrar que o caráter de coalizão assumido pelo governo Lula – e portanto sua condição de “governo em disputa” – fez com que desde o início houvesse também uma movimentação da direita no sentido de incidir sobre o debate da reforma da universidade brasileira – evidentemente, buscando conferir-lhe uma orientação adequada às concepções políticas neoliberais.
Um episódio importante dessa disputa foi a proposta formulada pelo Banco Mundial, através do documento intitulado "Políticas para um Brasil justo e economicamente sustentável", que sugeria ao governo brasileiro a realização de duas reformas para diminuir os "gastos sociais" no país: a da Previdência e a Universitária. No que se refere a essa última, o texto do BIRD afirmava que a universidade pública brasileira atingia um pequeno percentual da população e incluía majoritariamente aqueles que tinham condições de custear seus estudos – a elite. Daí extraíam algumas conclusões, como a necessidade de diminuir o financiamento público dessas instituições, extinguir seu caráter gratuito e garantir uma “diversificação”do tipo de ensino superior oferecido, com um forte estímulo à oferta de vagas privadas.
Diante dessa disputa de rumos do governo, as propostas formuladas para a educação superior brasileira, tanto no breve período da gestão de Cristóvão Buarque à frente do MEC como na de seu sucessor Tarso Genro - que assumiu a pasta em 2004 - foram fortemente influenciadas por uma política de “conciliação” de interesses e por propostas defendidas pelos representantes do setor privado na educação.
Em nossa avaliação, o erro cometido na educação superior foi o mesmo que se verificou em outras áreas do governo: abriu-se mão do necessário enfrentamento aos setores hegemônicos, acreditando-se, com isso, que seria possível conquistar a confiança e o apoio por parte das elites econômicas do país. Desconsiderou-se, no entanto, que o projeto dessas elites é profundamente divergente do projeto do PT e das forças sociais de esquerda.
Consideramos, desse modo, que o governo equivocou-se ao iniciar suas ações na educação superior aprovando aqueles projetos cujo conteúdo era contraditório com as bandeiras defendidas historicamente pelo PT e seus aliados nos movimentos sociais. Referimo-nos, aqui, entre outras medidas, à Lei de Inovação Tecnológica, que contribuiu para acentuar a lógica privada no interior das universidades públicas, permitindo que os interesses do mercado passassem a interferir de forma mais incisiva nas decisões sobre aquilo que é pesquisado nessas instituições, além de conceder às empresas o direito de se apropriar do conhecimento ali produzido.
Referimo-nos, também, ao ProUni. Não obstante a face progressista que essa medida possui, ao possibilitar o acesso à Universidade de setores dela historicamente excluídos, é inegável que o programa representou um fortalecimento do ensino privado. Além disso, ao eleger os chamados “tubarões do ensino” como parceiros, o governo contribuiu para aumentar o poder relativo deste setor e tornar ainda mais difícil aprovar medidas efetivas de regulamentação e controle das instituições privadas de ensino superior.
Em face desse cenário, entendemos que, naquele momento, a proposta de Reforma Universitária estava francamente comprometida. As diversas inicativas aprovadas não contemplavam as reivindicações históricas do movimento estudantil e do movimento educacional como um todo. Era preciso retomar esse debate em novos moldes. Por isso, nos posicionamos publicamente “contra essa Reforma Universitária do MEC".
Considerávamos, então, que as opções do núcleo dirigente do governo, no início do primeiro mandato, não tinham sido capazes de alterar significativamente a correlação de forças e o ambiente político e econômico do país, de modo a ser possível realizar uma ampla reforma universitária que correspondesse aos anseios de uma ampliação do público sobre o privado, de uma democratização radical das instituições e da absorção e atendimento das demandas das camadas populares pelo sistema superior de ensino.
Tínhamos convicção, pois, de que a discussão sobre a Reforma não poderia se dar senão de forma articulada com o debate sobre a necessária mudança na política econômica então adotada pelo governo. Somente em um cenário mais favorável às forças progressistas, a bandeira da reforma universitária poderia retomar seu significado histórico de ruptura com as estruturas elitistas e de construção de alternativas democráticas para a universidade brasileira.
A divisão do movimento estudantil
Os setores que compunham a direção majoritária da UNE, no entanto, mesmo reconhecendo uma série de problemas nas propostas apresentadas, seguiram defendendo em seu conjunto a aprovação dos sucessivos projetos governamentais sobre a Reforma Universitária. Nesse momento, o processo colocou em dois campos opostos aqueles que eram contra e os que eram a favor desses projetos, o que dividiu e enfraqueceu o movimento, além de engessar o debate de mérito sobre as medidas apresentadas. .
O caráter contraditório da gestão do MEC, somado aos problemas mais gerais enfrentados pelo governo, sobretudo ao desgaste gerado junto ao setor público com a aprovação da Reforma da Previdência, contribuiu para o rompimento, com o PT e com o governo Lula, de parte de sua base social na universidade.
Esse processo, conhecido por todos, gerou uma fragmentação ainda maior das forças de esquerda que historicamente lutavam unidas pela bandeira da educação pública e de qualidade, e resultou na conformação de um campo, capitaneado pelo PSTU e pelo recém criado PSOL, que se colocou em franca oposição ao governo.
Assim, ainda que em termos de conteúdo pudesse haver coincidência em algumas das avaliações e opiniões sobre as medidas do governo no campo educacional, já não havia mais convergência no objetivo final: para nós, tratava-se de obter avanços e impedir retrocessos, compreendendo que as possibilidades para isso eram maiores neste governo do que jamais haviam sido antes. Para aquele outro campo, tratava-se não de impedir os retrocessos da reforma, mas de desgastar – e derrotar – o governo Lula.
Nessa nova conjuntura, não era mais possível manter uma unidade com os setores cuja orientação estratégica diferia profundamente da nossa. Por outro lado, isso não alterava nossa avaliação sobre o processo em curso. A opção, portanto, foi por construirmos uma política que não fizesse coro às tentativas de derrotar o governo Lula, mas que ao mesmo tempo não defendesse acriticamente o projeto da reforma. Essa posição política, que visava diferenciar-nos tanto dos setores “esquerdistas” quanto dos setores “adesistas” do movimento estudantil, traduziu-se na consigna “pelo não envio do anteprojeto".
O movimento estudantil como um todo, portanto, foi incapaz de compor uma unidade mínima em defesa das pautas históricas para as políticas públicas educacionais. Em vez de construir amplos debates e mobilizações para a disputa hegemônica nas ruas contra os tubarões de ensino, parte significativa de suas energias foi gasta em lutas internas. A política estudantil acabou engessada, de um lado, pelos que defendiam acriticamente as propostas do governo e, do outro, por aqueles que buscavam única ou principalmente desgastar o governo.
Diante de tal cenário, nós também não fomos capazes de unificar significativas parcelas do movimento estudantil e social como um todo. Nossa opção por uma tática que nos diferenciasse tanto do adesismo acrítico quanto do esquerdismo acabou não resultando na construção de um pólo alternativo, e contribuiu ademais para que perdêssemos a interlocução com amplos setores do movimento, debilitando nossa capacidade de incidência real sobre a disputa em questão.
O ProUni foi um exemplo claro das dificuldades políticas que enfrentamos. Embora tenhamos desde o início feito uma análise bastante crítica do projeto, é forçoso admitir que ele acabou ganhando a aprovação da maioria do movimento social e de amplos setores da população. Assim, uma proposta equivocada do ponto de vista programático – se levarmos em conta aqueles objetivos históricos que o PT sempre buscou para a educação – acabou conquistando uma ampla base social de apoio, sobretudo em função do forte apelo que o programa contém no tocante à inclusão social e às políticas de ação afirmativa. Nesse sentido, podemos dizer que, pelo menos por ora, perdemos esse debate na sociedade.
Desse modo, ainda que nossa avaliação sobre a reforma universitária em curso estivesse correta no mérito, nossa política foi insuficiente para criar as condições e o acúmulo de forças necessário para reverter aquele quadro político, suspender o processo e reabrir a discussão em novos moldes, a partir de outros parâmetros.
O projeto do governo, em sua quarta versão, acabou assim por ser encaminhado ao Congresso Nacional, inaugurando uma nova fase na disputa política sobre a reforma universitária.
A disputa no Congresso Nacional
Antes do projeto da reforma universitária ser encaminhado ao Congresso Nacional, mantivemos portanto uma posição bastante enfática contra o envio do anteprojeto do governo, agora PL 7200/06. Em nossa avaliação, seria muito difícil aprovar algo que representasse significativas mudanças positivas para a universidade brasileira, em razão da divisão do movimento social em torno da proposta, da ausência de amplas mobilizações por parte dos estudantes, e sobretudo do grande lobby dos defensores dos interesses do ensino privado e do peso conservador presente no Congresso Nacional.
Independentemente disso, o PL 7200/06 foi enviado e está em tramitação no Congresso Nacional. Muitas emendas já foram propostas, a grande maioria delas oriundas dos defensores do ensino privado.
A disputa no Congresso torna-se ainda mais complexa, se lembrarmos que o projeto do governo não é o único tramitando na Câmara sobre o tema da reforma universitária. Há pelo menos mais três propostas: o PL 4212/04, do Deputado Federal Átila Lira (PSDB-PI); o projeto apresentado pela FASUBRA; e o projeto do Deputado Federal João Matos, do PMDB/SC. E como a proposta do deputado tucano foi a primeira a ser encaminhada (ainda em 2004), pelas normas de funcionamento do Congresso este projeto é considerado o “principal”, sendo a ele que os outros se encontram apensados.
A partir desses vários projetos e das emendas a eles encaminhadas, portanto, o relator da matéria terá que apresentar uma proposta única, o que deve ocorrer em breve.
No que se refere ao projeto do governo, em que pese apresentar alguns avanços, como as propostas referentes às políticas de ação afirmativa, consideramos que o conteúdo do PL 7200/06 carrega consigo o grave equívoco de converter parcelas das políticas de governo implementadas na universidade brasileira durante a era FHC em políticas de Estado, legitimando assim medidas de inspiração neoliberal. Entre essas medidas, poderíamos citar a permissão para que as universidades públicas cobrem mensalidades nos cursos seqüênciais, a regulamentação dos cursos pagos de extensão e especialização nessas instituições e a legitimação da existência de centros universitários, que funcionam como “escolas de terceiro grau”, sem qualquer compromisso com a pesquisa e a extensão.
De igual modo, consideramos que o projeto não apresenta iniciativas capazes de dar efetivamente um salto de qualidade positivo no ensino superior. Além disso, o projeto é muito tímido com relação à ampliação do controle público sobre as universidades privadas, nas quais hoje está matriculada a imensa maioria dos estudantes universitários brasileiros.
Podemos dizer, pois, que o PL 7200/06, tal como se encontra hoje, é uma expressão clara do caráter contraditório do primeiro mandato do governo Lula. E dada a correlação de forças, a tendência é que, na disputa dos rumos da “reforma universitária”, aqueles que defendem os interesse privados consigam introduzir alterações ainda mais nocivas ao caráter público da educação.
É interessante observar que, mesmo os setores do movimento social que apóiam o projeto de lei, o fazem admitindo que não consideram que a proposta corresponda àquela que as entidades do movimento educacional historicamente defenderam; que o texto deveria ter avançado mais em questões fundamentais; que a proposta possui alguns artigos que não deveriam ser aprovados; e que é bem provável que o lobby do setor privado se imponha para garantir seus interesses.
O problema é que todas as forças do movimento social parecem ter ficado reféns das posições assumidas desde o início com relação à Reforma Universitáira, de tal modo que, independentemente dos rumos que a disputa no Congresso assumir, dificilmente recuarão de sua defesa da aprovação do projeto proposto.
Esses setores acreditam que é possível disputar a reforma a partir da apresentação de emendas ao Congresso Nacional, sem levar em conta a correlação de forças vigente no parlamento e a ausência de grandes mobilizações de massa em torno de suas propostas.
Diante desse quadro, mais do que nunca é necessário construir uma política que seja capaz de amalgamar a mais ampla unidade possível do movimento de educação, para que possamos aumentar nossa capacidade de incidência sobre o processo. Só assim estaremos acumulando forças para enfrentar o efetivo poder dos tubarões de ensino e dos defensores do mercado, que se fazem representar pela grande maioria de deputados e senadores conservadores do Congresso Nacional.
Isso significa que devemos buscar a construção de um grande acordo no seio dos movimentos sociais, em especial com as forças políticas que defendem o projeto, a respeito daquilo que não deve em hipótese alguma ser aprovado, assim como dos possíveis avanços que a proposta (ou as emendas a ela encaminhadas) apresente.
Nesse sentido, adotaremos os seguintes movimentos combinados, no que se refere a essa disputa:
1. Apresentaremos para o debate, ao conjunto dos estudantes universitários, nossa avaliação sobre o projeto de lei, a disputa no Congresso e a necessidade de unificação do movimento social para enfrentar os interesses privatistas na disputa da reforma universitária.
2. Faremos uma análise minuciosa do relatório final da comissão especial da Reforma Universitária da Câmara dos Deputados, tão logo esse seja aprovado. Essa análise identificará os possíveis avanços e os retrocessos contidos na proposta. Em última instância, essa avaliação deverá servir para que afinemos nossa tática com relação ao projeto de reforma universitária.
3. Realizaremos uma reunião com os deputados federais que compartilham das nossas preocupações, para debater as possibilidades de atuação com relação à matéria no Congresso Nacional, de forma a ser possível conciliar a mobilização social com a mobilização parlamentar em favor dos avanços e contra os retrocessos da proposta.
4. Realizaremos reuniões com todos os setores do movimento estudantil universitário, buscando construir um acordo mínimo em torno dos eixos de luta capazes de unificar e mobilizar os setores sociais progressistas, historicamente comprometidos com a luta pelo ensino público, gratuito e de qualidade.
5. Realizaremos reuniões com outros setores do movimento social, especialmente aqueles que se organizam em torno da CMS, para debater nossas posições e buscar ampliar a base de apoio para o enfrentamento das propostas nocivas à manutenção e ampliação do caráter público da universidade.
É importante esclarecer porque, na atual conjuntura, não é mais possível lutar pela retirada do projeto do governo ou pela sustação do processo como um todo.
Em primeiro lugar, essa é uma posição que não unifica os setores progressistas no movimento e no Congresso Nacional, que desde o início, conforme já apontamos, dividiram-se entre aqueles que se colocaram contra a proposta de reforma universitária e aqueles que se posicionaram a favor.
Em segundo lugar, não havendo uma forte mobilização social e uma ampla unidade do conjunto do movimento de educação, não há obviamente correlação de forças para impedir que o Congresso Nacional dê encaminhamento ao processo. Isso significa que, mesmo que o governo retirasse da pauta seu projeto, prosseguiria em tramitação a proposta de PL do PSDB, o que na prática significaria atender sem mediações aos interesses dos tubarões do ensino e da direita representada no Congresso Nacional.
Uma política que reivindique a retirada do projeto, portanto, já nasce derrotada, e serve apenas aos setores que querem fazer oposição ao governo e precisam alimentar a dicotomia dos que se posicionaram “contra” ou “a favor” da reforma universitária, ao invés de operar para unificar amplamente o movimento de educação, para que este possa enfrentar em melhores condições o duro embate que teremos que travar no Congresso Nacional contra os interesses do ensino privado.
Assim, a política que deverá ser adotada pelos setores que avaliam que o projeto final levado à votação no Congresso pode significar alguns retrocessos à educação superior brasileira, mas que ao mesmo tempo não querem instrumentalizar a luta pelo ensino público e de qualidade, colocando-a a serviço do desgaste do governo Lula, é construir uma unidade do movimento social que seja capaz de barrar aquelas medidas nocivas ao projeto de consolidação de uma universidade pública, gratuita, democrática, capaz de produzir e disseminar conhecimento em benefício da maioria da sociedade, e não de acordo com os interesses do mercado. Este é, afinal, o projeto defendido historicamente pelo Partido dos Trabalhadores.
Essa política, para além de fortalecer os setores progressistas no enfrentamento à sanha dos tubarões do ensino, deve ser capaz de acumular forças para a superação do atual quadro de imobilismo em que se encontra o movimento estudantil universitário brasileiro. Devemos, portanto, aproveitar o momento para criar condições para que o movimento estudantil universitário retome a ofensiva política, tornando-se capaz de, no próximo período, propor pautas que unifiquem e mobilizem os estudantes brasileiros em torno da luta por uma universidade mais afinada com o projeto democrático-popular pelo qual lutamos.
Para além da disputa no Congresso: recolocar o movimento estudantil na ofensiva
Se analisarmos o comportamento do movimento estudantil universitário após a primeira eleição de Lula ao governo federal, veremos que ele se deixou pautar quase que exclusivamente pelo tema “reforma universitária”.
Como já dissemos, nós mesmos fomos a primeira força a trazer para o debate o tema da reforma.
Da forma como a construção da proposta da “reforma universitária” deu-se, no entanto, esta significou muito menos um processo de amplo debate e mobilização social em torno das bandeiras historicas do movimento, e muito mais uma disputa circunscrita às forças políticas presentes na universidade acerca de seu posicionamento frente aos projetos apresentados pelo governo para a questão – projetos que, como dissemos, foram fortemente influenciados pelos interesses do capital privado que disputavam o governo Lula.
Tal fato acabou por restringir muito o âmbito do debate e, conforme já apontamos, serviu para dividir o movimento em torno principalmente de seus diferentes posicionamentos políticos frente ao governo, ainda que algumas divergências de mérito e conteúdo sobre a educação brasileira tenham também sido manifestadas.
Além disso, o debate sobre a educação superior brasileira tornou-se prisioneiro das iniciativas institucionais a respeito. O movimento estudantil, assim, assumiu uma postura “reativa”, posicionando-se contrária ou favoravelmente ao que era proposto, mas perdendo a iniciativa de elaborar a sua proposta de transformação da universidade brasileira, e efetivamente disputá-la, buscando incidir sobre as decisões governamentais.
Independentemente da aprovação do projeto da chamada reforma universitária – que, na prática, não transforma de forma significativa as bases conservadoras sobre as quais se assenta o ensino superior brasileiro, e não resolve questões centrais hoje postas para a universidade -, é preciso que o movimento estudantil seja capaz de retomar seu papel protagonista neste processo, voltando a debater uma agenda capaz de mobilizar a juventude em torno de bandeiras fundamentais para a construção da universidade que queremos.
Com a vitória de Lula, e sobretudo a partir da polarização programática e ideológica que verificamos no segundo turno, abre-se novamente a possibilidade de avançarmos da superação dos problemas estruturais da educação brasileira e, em particular, do ensino superior.
Um dos objetivos fundamentais a serem perseguidos por nós no próximo período, será a afirmação do caráter democrático-popular do segundo governo Lula. Essa meta vai nortear nossas posições, no que se refere à disputa de rumos do governo. E é esse o espírito que vai presidir nossas ações, também no que se refere ao ensino superior.
É necessário pois, neste momento, resgatar a bandeira da educação pública e gratuita para que possamos pautar o período que se abre. Um período que sinaliza para a ampliação das políticas sociais, especialmente se nos reportarmos aos temas postos em discussão no segundo turno das eleições presidenciais.
Para isso, torna-se necessária uma avaliação aprofundada sobre o papel que as universidades privadas cumprem na sociedade brasileira e a forma como os estudantes (entre os quais muitos trabalhadores e filhos de trabalhadores, que pagam as mensalidades com sacrificio) têm sido explorados, através da cobrança abusiva de taxas, do aumento arbitrário das mensalidades, da opressão ao movimento estudantil e docente, da baixa qualidade da educação oferecida.
Uma tarefa que se impõe ao movimento estudantil universitário, nesse sentido, é organizar o setor que ingressou no ensino superior via ProUni, para que ele se engaje na luta por maior qualidade de ensino e pelo controle público das instituições privadas. A inclusão de estudantes de baixa renda em universidades privadas não pode ser feita ao custo de um ensino de baixa qualidade. Lembremos que muitas instituições em que esses estudantes ingressaram possuem péssimas condições educacionais, sem laboratórios, bibliotecas ou qualquer atividade de pesquisa e extensão. Em alguns casos, essas instituições foram reprovadas mais de uma vez pela avaliação oficial do próprio MEC.
Defendemos que os trabalhadores e seus filhos e filhas tenham acesso à educação de excelência, que só pode ser efetivamente oferecida pelas instituições que não estão submetidas à lógica do mercado. Assim, é necessário que o ProUni seja pensado como uma medida emergencial, de caráter transitório, que deve ser substituída paulatinamente por políticas de inclusão das camadas menos favorecidas da população nas universidades públicas. A política de reserva de vagas para os egressos de escolas públicas, por exemplo, oferece uma interessante alternativa nesse sentido.
Reafirmar o caráter público da universidade que queremos, portanto, é defender que a educação superior esteja voltada ao interesses gerais do povo. No nosso caso, lutaremos para que as demandas das classes populares (trabalhadores e pequenos proprietários) sejam priorizadas, até porque estas representam a grande maioria da sociedade.
Reafirmar a necessária gratuidade do ensino superior e o combate à mercantilização da educação é preciso, porque entendemos que a educação é um direito inalienável de todos e um dever do Estado, que deve ser garantido com financiamento estatal, condição fundamental para a manutenção de seu caráter público.
Se esse novo período deve ser marcado pela resolução dos problemas educacionais através de políticas estruturantes, necessariamente precisa ser orientado a partir dessa bandeira mais geral da educação pública. Mas isso só será possível se ultrapassarmos a política de conciliação com o capital privado, hegemônico hoje na educação.
Ao mesmo tempo, além de reafirmarmos a nossa bandeira histórica geral, precisamos organizar as lutas em torno de uma pauta atualizada, de acordo com os desafios específicos colocados para esse novo período.
Para avançarmos, é preciso criar um clima nas universidades e no movimento estudantil universitário que coloque na ordem do dia as mudanças mais emergenciais, mas que, ao mesmo tempo, acumule forças em direção à ampliação do sentido público e gratuito da educação.
Dentre essas mudanças necessárias, consideramos fundamentais:
a) A radical expansão com qualidade da universidade pública, com a ampliação e democratização do acesso a suas vagas. Tendo em vista que a universalização desse acesso é um objetivo de longo prazo, devemos defender as políticas de ação afirmativa em benefício dos setores historicamente excluídos da Universidade, alterando assim sua composição social e fazendo da educação superior um instrumento de combate às desigualdades;
b) O aumento das verbas para o ensino público. Defendemos que pelo menos 7% do PIB seja destinado à educação e que a DRU não seja renovada, como formas de garantir o financiamento estatal da educação superior;
c) A democratização interna da gestão das universidades públicas e privadas, o que implica também maior liberdade e autonomia de organização de docentes, estudantes e funcionários técnico-administrativos. Essa democratização deve, entre outras coisas, possibilitar mudanças pedagógicas na universidade, fundamentais para um novo projeto de ensino superior sintonizado com as demandas das camadas populares.
d) O aumento do controle público sobre as instituições privadas de ensino superior, única forma de garantirmos a melhoria da qualidade de ensino nessas instituições, com a manutenção de um corpo docente qualificado, o compromisso com as atividades de pesquisa e extensão e a existência de instalações adequadas ao ensino superior, como bibliotecas, laboratórios etc.
Consideramos que esses quatro eixos de luta podem constituir bandeiras em torno das quais será possível unificar e organizar amplos setores do movimento social e do conjunto dos estudantes das universidades, de forma a recolocar na ofensiva o movimento estudantil universitário brasileiro, criando as condições sociais e o respaldo necessário para que o governo implemente mudanças mais profundas no ensino superior do país.
São necessárias mudanças estruturais na universidade brasileira, para que ela ocupe um papel estratégico e indutor do desenvolvimento do país, contribuindo para a reafirmação da soberania nacional e para a criação de mecanismos de distribuição de renda e geração de empregos.
Entretanto, insistimos, para que estas medidas sejam implementadas, será necessário um forte movimento estudantil capaz de contrapor-se às pressões do ensino privado sobre o governo Lula, alterando a correlação de forças observada durante o primeiro mandato.
É preciso registrar que, mesmo em condições adversas, os primeiros quatro anos do governo Lula foram capazes de implementar uma significativa expansão do ensino público, com a abertura de novas universidades, extensões e colégios técnicos. Esta foi sem dúvida uma vitória do ponto de vista do nosso projeto estratégico, da disputa política e ideológica que travamos na sociedade e da coerência com aquilo que historicamente o PT defende para a educação.
Evidentemente, para que essa medida atinja plenamente seus objetivos, é preciso agora propiciar a estrutura e as condições para que esses novos cursos e instituições ofereçam um ensino de qualidade, o que significa, sobretudo, garantir as verbas públicas de custeio necessárias a seu funcionamento.
De todo modo, a expansão das universidades públicas é uma orientação positiva. Trata-se agora de aprofundar essa orientação e enfrentar os interesses do capital privado na educação, buscando conferir efetivamente ao segundo mandato um forte acento democrático-popular. O que, no caso da educação em geral e das universidades em particular, significa um compromisso inegociável com o ensino público, gratuito, laico e de qualidade, que possa funcionar como um instrumento a serviço do desenvolvimento nacional e da construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
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